O ano começou muito mais agitado, no âmbito corporativo, do que se poderia imaginar. Logo no dia 19 de janeiro, um acontecimento inesperado – e cujos desdobramentos se mostraram posteriormente de grande magnitude – veio à tona. Após revelar indícios de inconsistências contábeis de cerca de R$20 bilhões, que resultaram em dívidas de mais de R$40 bilhões, a Americanas entrou com um pedido de Recuperação Judicial.
Além de pegar investidores e credores de surpresa, o evento – fora do radar – teve efeitos imediatos no mercado, com a redução da oferta de crédito e o aumento significativo do custo atrelado a novos financiamentos. O quadro ficou ainda pior para outras empresas do segmento varejista, cujo gasto com o serviço da dívida já havia dobrado em 2022, em relação ao ano anterior, segundo nossos cálculos.
Recorde de pedidos de Recuperação Judicial
Outro efeito colateral do caso Americanas diz respeito ao aumento no número de empresas que decidiram tomar o mesmo caminho. De acordo com dados da Serasa Experian, apenas em janeiro, 92 companhias protocolaram pedidos de Recuperação Judicial no Brasil. O número representa alta de 37% em relação ao mesmo mês do ano passado e de quase 90% na comparação com janeiro de 2021.
Nesse sentido, é importante destacar que a Recuperação Judicial é a última instância no que diz respeito a tentar salvar uma empresa. Logo, essa opção só deve ser usada quando não há outras. A empresa em Recuperação Judicial não possui nenhum tipo de vantagem, ao contrário: um dos grandes riscos da Recuperação Judicial é ter de contar com a ausência de crédito por um período relativamente longo, o que, inclusive, pode inviabilizar a operação, levando a companhia à falência.
Relógio joga contra empresas
Caso, mesmo assim, a empresa decida aderir à Recuperação Judicial, é preciso levar em consideração a variável tempo. O relógio não joga a favor de companhias endividadas. Dessa forma, considerando as atuais taxas de juros, uma demora para protocolar o pedido de Recuperação Judicial pode significar, na prática, a redução expressiva do caixa. Como já dito anteriormente, a disponibilidade de crédito para empresas em Recuperação Judicial é praticamente nula. Portanto, nesses casos, é preciso acelerar o processo. Afinal, quanto mais recursos em caixa, melhor. Aqui, tempo é dinheiro. Literalmente.
Trabalho complexo
Assessorar empresas em Recuperação Judicial é um trabalho complexo. A credibilidade é um atributo fundamental na prestação desse serviço a clientes. Isso porque a renegociação de dívidas precisa acontecer num ambiente que proporcione condições justas, tanto para acionistas quanto para os credores. E conseguir isso está longe de ser algo trivial.
Entre outros aspectos a serem considerados, o assessor tem de avaliar quem são os credores e que garantias possuem. Já pelo lado dos acionistas, é fundamental conhecer a história da empresa, do negócio e saber por que a operação chegou a esse ponto.Só assim se torna possível a busca por caminhos efetivos de recuperação.
Elaborar uma planilha com projeções financeiras e determinar o deságio, baseando-se apenas em números, é uma solução simples e equivocada, com a qual, infelizmente, muitos assessores desqualificados trabalham.
A Virtus BR tem longa experiência nesse tipo de trabalho. Atuamos assessorando tanto credores quanto empresas em processos de renegociação de dívidas no âmbito de uma Recuperação Judicial. No caso dos credores, nos últimos anos, assessoramos os bondholders da Constellation, em uma reestruturação de US$2 bilhões, e os da Oi, numa operação de R$60 bilhões.
Já pelo lado de empresas, trabalhamos em diversos casos envolvendo diferentes negócios do Grupo Odebrecht por exemplo.
Futuro nebuloso
Em meio ao atual cenário, desafiador na economia, muitas empresas ainda enfrentarão dificuldades. Levantamento elaborado por nós, da Virtus BR, projeta que, entre este ano e 2024, grupos de diversos setores terão de renegociar, pelo menos, R$260 bilhões em dívidas. Em momentos como esse, há segmentos que sofrem mais. As atividades de varejo e consumo são um exemplo disso, uma vez que são diretamente impactadas quando os juros estão altos e o crédito encarece.
Diante de todos esses desafios – vale repetir – a Recuperação Judicial, embora seja opção possível, deve ser a última a ser escolhida.